sexta-feira, 1 de junho de 2012
Bruxaria hoje de Gerald Gardner
PREFÁCIO
Bruxas da Inglaterra me disseram: "Escreva e conte às pessoas que não somos pervertidas. Somos pessoas decentes, apenas queremos ser dei¬xadas em paz, mas há certos segredos que você não pode revelar." Após alguns argumentos sobre o que não deveria ser revelado, tive permissão de contar muito do que jamais havia vindo a público em relação a suas cren¬ças, seus rituais e suas razões para o fazer; também para enfatizar que nem suas presentes crenças, nem seus rituais e práticas são maus.
Escrevo apenas sobre o que ocorre no Norte, Sul, Leste e Oeste da Inglaterra de hoje, em grupos de bruxas que eu conheço. Além disso, mos¬trei a origem de pelo menos algumas das histórias que foram contadas so¬bre o ofício. Posso apenas repetir as palavras de Lúcio Apuleio nas Metamorfoses, XL, 23, que escreveu um longo relato de sua própria inicia¬ção nos mistérios em linguagem crítica, dizendo: "Contei a você coisas que, embora você tenha ouvido, não pode saber o significado".
Museu da Magia e da Bruxaria em Castletown é o único no mundo devotado à magia e à bruxaria. Tenho provas materiais do que digo.
Eu gostaria de manter contato com pessoas de outros grupos de bru-LS para discutir esses assuntos e ouvir alguém que tenha mais informa¬ções sobre o tema da bruxaria.
Desejo agradecer ao sr. Ross Nichols, editor da cristã História e Pré Magia, por me fornecer informações suplementares e por suas su-gestões e comentários muito úteis.
G. B. Gardner
Diretor,
Museu da Magia e da Bruxaria
The Witches' Mill
Castletown, Ilha de Man.
INTRODUÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA
A Bruxaria Hoje, de Gerald Gardner, é um marco no renascimento da bruxaria, ou na criação da wicca (palavra de origem anglo-saxã). Este li¬vro serviu para trazer a público a bruxaria e para reavivar o interesse pelo tema, tarefa engendrada anos antes por Aradia, o Evangelho das Bruxas de Charles Godfrey Leland, o importantíssimo O Culto das Bruxas na Europa Ocidental de Margaret Murray* e A Deusa Branca de Robert Gra-ves, sem esquecer, é claro, O Ramo de Ouro de Sir James Fraser. Todos estes livros semearam o caminho para que a wicca viesse a florescer.
Gardner passou a maior parte de sua vida trabalhando na Malásia. Desta forma, pôde entrar em contato com várias tradições exóticas. Este gosto fez com que, após a sua aposentadoria e regresso à Inglaterra, ele ingressasse na "Sociedade de Folclore". Além dela, ele percorreu os mean-dros do ocultismo britânico, pesquisando as mais diversas fontes. Nessas pesquisas, ele conheceu Aleister Crowley e Old Dorothy Clutterbuck, im-portantes figuras em sua trajetória.
Gardner foi membro da "Fellowship of Crotona", em New Forest, onde ele se deparou com Dorothy Clutterbuck, que o teria iniciado na bru¬xaria.
Podemos imaginar que Gardner forjou a iniciação no coven de Old Dorothy, ou, de fato, ele se deparou com este coven, talvez um grupo formado baseado no trabalho de Murray. Há quem diga que este coven nunca existiu, mas há relatos que dizem que na segunda grande guerra, em New Forest, um grupo de bruxas se reuniu para impedir o desembarque dos exércitos nazistas.
A própria existência de Old Dorothy Clutterbuck era colocada em dúvida; por sua vez, Doreen Valiente, discípula de Gardner, consegue pro¬var a existência de Old Dorothy Clutterbuck.
* Lançado pela Madras Editora
Nada disso prova efetivamente a afirmação de Gardner e, por sua vez, também não a nega. O que salta aos olhos é o ecletismo de elementos usados por Gardner na confecção da wicca.
Muitos dos rituais são criados a partir de elementos da Magia Ceri-monial, especialmente a advinda da Aurora Dourada (Golden Dawn), da Maçonaria, dentre outras fontes.
Os fundadores da G.D Mathers, Westcoott e Woodman eram maçons e membos da SRIA, da qual, por sua vez, Hargrave Jennings era membro.
Havia boatos da ligação de Jennings com um coventículo, e Gardner até imaginava que ele poderia ser o "autor" do Livro das Sombras. As ligações de Jennings com cultos fálicos são proverbiais.
Hargrave Jennings era o autor do livro Os Rosa-crucianos, no qual narra várias facetas do ocultismo e dentre elas elementos da bruxaria.
Duas fontes têm uma importância especial na criação da wicca: Aleis-ter Crowley e Charles Godfrey Leland, através do seu livro Aradia, o Evan-gelho das Bruxas.
Para alguns estudiosos, o verdadeiro "pai" da bruxaria wicca foi Aleis-ter Crowley e não Gardner, sendo Crowley o autor do Livro das Sombras*
Muitos anos antes, Crowley já havia se colocado como profeta na nova era e ressurgidor do paganismo. Tinha pesquisado e desenvolvido várias vertentes da Magia e seria a pessoa ideal para "consultor" de cria-ção de um culto de bruxaria.
Gardner foi feito membro da O.T.O,** ordem Mágicka restruturada por Crowley. Lá ele veio a conhecer Kenneth Grant, dentre outros.
A relação entre os dois (Crowley e Gardner) era amistosa, e o próprio Gardner crê que uma das pessoas capazes de ter escrito o Livro das Som-bras era Crowley. Uma forma talvez de lhe dar a autoria sobre o livro, ou justificar a grande quantidade de material de Crowley.
Independentemente de quem foi o autor, há inúmeras passagens de Crowley no Livro das Sombras de Gardner: "Eu sou a chama que arde em todo coração humano, e no núcleo de toda estrela. Eu sou Vida, e o doador da vida, entretanto, conhecer-me é conhecer a morte". "Eu os amo! Eu anseio por vós! Pálido ou púrpura, velado ou voluptuoso, Eu que sou todo prazer e púrpura, e ébria no sentido mais profundo, os desejo."
De todas as passagens, a mais clara é "Faz o que tu queres desde que não prejudiques a ninguém" (ou correlata), uma adaptação clara de "Faz o que tu queres há de ser o todo da Lei", a máxima de Crowley. Ou ainda o uso do pentagrama "Meu número é 11, como todos seus números que são nossos. A Estrela de Cinco Pontas, com um Círculo no meio". O pentagra¬ma wiccano é o inverso, ou seja, uma estrela circundada pelo círculo.
*A History of Witchcraft, J.B. Russell Thames and Hudson ltd.
*♦ O.T.O: Caixa Postal 12108-São Paulo/SP - CEP. 02013-970 - e-mail: oto@otobr.org
Site: www.aleistercrowley.com.br.
Há inúmeras outras passagens e partes nitidamente influenciadas (ou escritas por Crowley).
A outra como vimos foi o livro de Leland Aradia, o Evangelho das Bruxas, escrito através do relato de uma jovem chamada Maddalena -uma bruxa de Florença, na Toscania. Ela se diz descendente de uma tradi¬ção da bruxaria, a Stregoneria. O quanto disso foi invenção da "fonte" (uma bruxa que concordou em revelar alguns segredos) de Leland ou cria¬ção dele próprio não sabemos, mas o importante é que este livro trazia em "primeira mão" um culto de bruxaria.
No Evangelho das Bruxas é narrada a história de Diana, que se une com seu irmão e filho Lúcifer. Desta união nasce Aradia, que vem à Terra para ensinar a arte da bruxaria. Tecnicamente, esta tradição remontaria aos etruscos.
Por mais que a narrativa de Leland seja difícil de sustentar-se, é bom lembrar que relatos sobre o culto da deusa Diana (mãe de Aradia) são co-nhecidos durante a Idade Média. Este culto era atribuído às bruxas, as fiéis da deusa.
O historiador (antropólogo) Cario Ginzburg em seus livros Storia Notturna, Una decifrazione dei sabba e / benandanti: stregoneria e culti agrari tra Cinquecento e Seicento coletou vários relatos sobre bruxaria, paganismo e cultos da fertilidade na Idade Média e Moderna.
Vale salientar que na pesquisa de Ginzburg um dos nomes da deusa era Diana, nomenclatura usada pela Igreja. Por sua vez, a deusa era chamada na verdade de várias outras formas. O sincretismo entre os cultos pagão e o cristianismo se fazia presente, mas muito provavelmente a roupagem cristã fosse a camuflagem de um substrato pagão muito mais antigo.
O papel da Igreja foi demonizar os cultos e enquadrá-los às idéias oficiais, ou seja o Sabá de adoração ao diabo. A igreja católica contribuiu à sua moda para a união entre Diana e as divindades Germânicas da fertili-dade, já que, durante as conversões destes povos, nomenclaturava as di-vindades locais de Diana, um nome "clássico". De outra feita, isso facilitava "encaixar" as crenças politeístas à sua teoria demonológica.
A influência da igreja fez também com que as deusas se confundis-sem no imaginário popular; as narrativas no púlpito acabavam criando o que tencionavam erradicar. Não só a Igreja interpretava as divindades de outros locais como sendo as do mundo clássico, os romanos muitas vezes efetuavam correlações entre as suas divindades e de outros povos. Faziam parte do Império populações celtas, teutônicas e eslavas, dentre várias ou¬tras. Desta forma, por exemplo, Diana - a deusa romana - ganhava atri¬butos da Epona céltica.
O Império Romano acabou por promover a miscigenação de cultos.
Isso produziu sincretismo entre algumas divindades. Para completar o quadro no fim do Império, com a invasão dos bárbaros, mais tradições e influências se acumulam. A Itália foi conquistada por godos, vândalos, lombardos e hunos. Séculos depois, veio o Sacro Império Romano Germâ-nico.
Essa miscigenação produziu lendas sobre a "cavalgada das bruxas", chefiatdas pela deusa Diana. Um sincretismo entre as divindades mediter-râneas e as germânicas.
Os nórdicos em seus Eddas mencionam que as bruxas iam para sua reunião montadas em lobos, javalis ou "paus de cerca".
Para termos uma idéia, as crenças em uma deusa noturna, "Diana", se manteve bem viva em alguns locais da Itália. Em 1457, três senhoras são processadas por causa disso. As acusadas chamavam a deusa de Bona Domina ou Richella.
O Bispo que as interrogou tentou convencê-las das loucuras de suas afirmações, dizendo que eram induzidas pelo Demônio, por demência e ignorância. As senhoras haviam narrado que participavam de reuniões, nas quais se comia, bebia e dançava, e havia homens vestidos de peles. Richella surgiu em uma carroça; era uma mulher bem vestida, e ao tocar as senho¬ras fez delas suas seguidoras.
Estas "bruxas" eram praticantes de um culto extático de natureza xamânica, centrado na adoração de uma deusa. As partes da Europa que tiveram em sua história influência céltica eram locais proeminentes desses cultos:.
É curioso como o padrão se repete em vários locais do velho mundo, de forma alguma mantendo um todo coeso, mas, por sua vez, mantendo vivos elementos do paganismo (ou xamanismo) até períodos recentes. Os locais mais impensáveis foram palcos destes cultos, como por exemplo a Sicília do século XVI.
Na Romênia, por exemplo, a deusa tinha o nome de Irodiada ou Arada.
Cario Ginzburg afirma: "Relatos vindos de um lado a outro da Euro¬pa, em um intervalo de tempo milenar, trouxeram à tona os traços de uma religião extática predominantemente feminina, governada por uma deusa noturna de muitos nomes. Nessa deusa vislumbramos um hibridismo tar-dio, de divindades célticas."
No julgamento de Isabel Gowdie no Reino Unido, há narrativa do encontro com o mundo elemental, ou das fadas, mas prontamente os inquisidores levaram o julgamento ao ponto que os interessava, o Diabo. Os familiares das bruxas eram derivados dos espíritos dementais, fadas, gnomos, etc, e não de demônios.
O processo de satanização das crenças é bem observado no caso dos Benandanti, um culto da fertilidade que protegia as colheitas e lutava con¬tra as bruxas ( na verdade, uma batalha simbólica). A princípio o sincretis¬mo entre o cristianismo e as crenças locais é harmonioso, e os Benandanti são defensores das crianças e das colheitas; com o passar do tempo, eles se enquadram na visão do sabá satânico, fruto talvez de anos de pregação ou da evolução dos costumes e da degradação do ambiente. O palco foi o Friuli no norte da Itália, que era um rincão isolado, onde se encontravam as influências germânicas, eslavas e italianas.
É possível rastrear cultos similares por todo o leste europeu, onde tradições xamânicas se mantêm vivas, unidas a elementos do cristianismo.
Santo Agostinho menciona que as religiões pagas foram inventadas pelo Diabo para afastar as pessoas da fé cristã. Quando os fiéis cultuam as divindades pagas, na verdade cultuam o Diabo.
Por outro lado, a Igreja usurpava as características e os dons dos deu¬ses pagãos para os seus santos.
A Igreja tratou todos os cultos que encontrou da mesma forma, tanto que o termo pagão, em sua origem, é pejorativo, designando algo primiti-vo, rústico.
Um ponto curioso sobre a bruxaria é o padrão muito similar encon-trado nos locais mais diferentes e sem nenhum contato. A melhor, ou uma das melhores explicações, é o inconsciente coletivo e a teoria dos arquétipos.
Desta forma, a grosso modo, a bruxaria seria transmitida não-linear-mente, de bruxa para bruxa, mas sim, como um aspecto profundo da raça humana. Desta forma, ela poderia emergir nos locais mais distantes entre si, como de fato aconteceu. Isso explica, em parte, a similitude entre al-guns aspectos da bruxaria africana e a inglesa. Notei isso em minha pes-quisa sobre Vampiros e Bruxaria, em que o padrão dos relatos se repetia, da Malásia ao Caribe. Inúmeros outros pesquisadores se depararam com este padrão, suscitando as mais diversas teorias.
A bruxaria é parte integrante da Magia européia, e não só no passado remoto. Alguns membros de Ordens como a G.D fizeram pesquisas de cam¬po, nas quais afirmam ter encontrado estas tradições vivas. Temos o relato de J.W Brodie-Innes sobre as tradições celtas e de bruxaria, publicadas na revista Occult Review (vol XXV), ou mesmo o brilhante artista plástico Austin Osman Spare, criador do Zos Kia Cultus, que foi iniciado pela senhora Paterson, uma americana que alega ser descendente das bruxas de Salém.
Gerald Gardner recebeu inúmeras críticas, e seu caracter foi coloca¬do em dúvida. É sempre bom lembrar que na época de Gardner a teoria de Murray era aceita e oficial, tanto é assim que o verbete da enciclopédia britânica sobre bruxaria era dela.
A bruxaria, após seu renascimento efetivo, nas mãos de Gardner, se multifacetou em várias tradições. Cada uma delas ao seu modo tenta res-gatar (em verdade recriar) os mistérios antigos. Algumas tradições mais sérias, outras nem tanto, mas, sem dúvida, um movimento de vital impor-tância no resgate do feminino (o papel da mulher na religião), da natureza e de uma visão mais holística do Cosmos.
Bons ventos trazem estas novas (e antigas) tradições. O criador da wicca, seja Gardner ou Crowley, estaria feliz em muitos pontos com o resultado. E devemos muito a eles. Por mais que muitos se digam heredi-tários, não teríamos a liberdade e o entendimento, fruto do trabalho dos dois.
Marcos Torrigo
INTRODUÇÃO
Neste livro, o dr. Gardner afirma ter encontrado em várias partes da Inglaterra grupos de pessoas que ainda praticam os mesmos ritos das cha¬madas "bruxas" da Idade Média; declara também que os ritos são uma verdadeira sobrevivência e não um mero renascimento copiado de livros. Em seu estilo simples e agradável, ele dá um esboço de práticas similares nas antigas Grécia e Roma; suas experiências pessoais no Extremo Oriente o habilitam a mostrar que há muitas pessoas, no Oriente ou na Grã-Bretanha, que ainda realizam atos de culto ao Doador de Vida Todo-Poderoso, de acordo com o antigo ritual. Embora o ritual da Europa esteja agora em conformidade com a civilização moderna, o sentimento que une os primi¬tivos aos civilizados é o mesmo: gratidão ao Criador e esperança na conti¬nuação de Sua bondade.
O culto pessoal pode tomar qualquer forma, mas um grupo de pes¬soas cultuando juntas sempre demanda algum tipo de ritual, especialmente quando o culto é sob forma de dança. A dança ritual, realizada como forma de culto ou como expressão de uma prece, é caracterizada pela ação rítmi¬ca. A dança-prece serve usualmente para pedir a multiplicação do alimento e imita de forma estilizada os movimentos dos animais ou o crescimento das plantas cujo incremento é desejado. A dança-culto é ainda mais rítmica que a prece. Todos os movimentos são rítmicos e o acompanhamento é um canto ou instrumentos de percussão que marcam fortemente o ritmo. Os movimentos rítmicos, os sons rítmicos e a sintonia de muitas pessoas, to¬das empenhadas nas mesmas ações, induzem um sentimento de euforia, que pode aumentar para uma espécie de arrebatamento. Esse estágio é fre¬qüentemente visto pelos adoradores como um favor divino especial, deno¬tando o real advento da Deidade no corpo de um adorador. As bacantes da ardente Grécia induziam a intoxicação bebendo vinho e tornando-se assim uma só com seu Deus.
O dr. Gardner mostrou em seu livro o quanto a chamada "bruxaria" vem dos antigos rituais e nada tem a ver com lançar feitiços ou outras práticas maldosas, sendo a sincera expressão do sentimento para com Deus, também expresso, mais decorosamente embora não com maior sinceridade,
pela cristandade moderna nos cultos da Igreja. Mas as danças processionais das bacantes bêbadas, as cabriolas selvagens em torno do Santo Sepulcro como registradas por Maundrell no fim do século XVII, a dança saltitante das "bruxas" medievais, o solene zikr do camponês egípcio, os rodopios dos dervixes, tudo tem origem no desejo de estar "Mais próximo, meu Senhor, de Ti", e de mostrar por suas ações a intensa gratidão que os adoradores acham incapazes de exprimir com palavras.
Dra. Margaret Murray
Outrora Professora Assistente de Egiptologia na University College, Londres
CAPÍTULO I
BRUXARIA VIVA
Alguns livros sobre bruxaria - o autor teve permissão de escrever sobre bruxas — "visão de dentro " — iniciações primitivas afins à bruxaria — o poder das bruxas exsuda do corpo, a partir da nudez — a teoria do autor sobre um campo eletromagnético — certos ritos aumentam a clarividência — o autor refuta a visão do sr. Pennethorne Hughes de que a bruxaria é um culto ao mal - rituais das bruxas — bruxas não são pervertidas frus¬tradas — sua crença de que seus ancestrais vêm do Oriente e o paraíso é ao Norte - cerimônia do renascimento do sol - o caldeirão da regenera¬ção e a dança da roda - a natureza do círculo da bruxa para manter o poder - negação do uso de caveiras, etc. - bruxas nada têm a ver com a Missa Negra - a iniciação à bruxaria desenvolve certospoderes conheci¬dos coletivamente como magia - "dentro do círculo elas estão entre os mundos " - necessidade de um parceiro.
Muitos livros foram escritos sobre bruxaria. Os primeiros foram, na maioria, propaganda escrita pelas Igrejas para desencorajar e assustar as pessoas que tivessem conexão com o que para eles era um odiado rival - pois a bruxaria é uma religião. Mais tarde, apareceram livros empe¬nhados em provar que esses ritos jamais existiram. Alguns desses livros podem ter sido inspirados ou mesmo escritos pelas próprias bruxas. De¬pois, muitos livros trataram da bruxaria de maneira científica, com auto¬res como a Dra. Margaret Murray, R. Trevor Davis, Christine Hoyle, Arne Runeberg, Pennethorne Hughes e Montague Summers. O Sr. Hughes, em seu livro mais pesquisado, provou claramente (em minha opinião) o que muitas pessoas já sabiam: que o Povo Miúdo dos lugares quentes, cha-mados fadas ou elfos em uma época, foram chamados de bruxas mais tarde; mas, a meu ver, todos esses livros têm um erro. Embora seus auto-res soubessem que bruxas existem, nenhum deles consultou uma bruxa1
1. Há tanto bruxas homens quanto mulheres, mas em inglês (e em português - n. da T.) uma bruxa é sempre chamada "ela ", de forma que vou usar esse gênero - e o leitor deve entender como sendo tanto masculino como feminino.
sobre suas visões a respeito da bruxaria. Afinal, a opinião de uma bruxa deve¬ria ter algum valor, mesmo se não se encaixasse nas opiniões preconcebidas.
É claro que há boas razões para essa reticência. Recentemente, conver¬sava com um culto professor continental que escrevia sobre bruxas de dois mil anos atrás e ele me contou que obtivera muita informação das próprias bruxas. Mas, embora tivesse sido convidado, teve medo de comparecer a suas reuniões. O sentimento religioso era muito forte em seu país e, se des¬cobrissem que ele se comunicara com bruxas, ele se arriscaria a perder sua cadeira. Além disso, as bruxas são um povo tímido, e publicidade é a última coisa que querem. Perguntei à primeira que conheci: "Por que você mantém secreto todo esse maravilhoso conhecimento? Hoje em dia não há mais per¬seguição". Ela me respondeu: "Não há? Se a aldeia soubesse o que sou, cada vez que uma galinha morresse, cada vez que uma criança adoecesse, eu seria a culpada. A bruxaria não paga as janelas quebradas!"2
Sou antropólogo e é consenso que o trabalho de um antropólogo é in-vestigar o que as pessoas fazem e em que acreditam, e não o que outras pessoas dizem que elas fazem ou acreditam. Também é parte dessa tarefa ler tantos escritos sobre o assunto investigado quanto possível, embora sem acei¬tar tais escritos cegamente, especialmente quando são conílituosos com o que mostra a evidência. Os antropólogos devem esboçar suas próprias con¬clusões e fazer algumas teorias próprias, mas devem deixar claro que aque¬las são suas próprias conclusões e teorias, e não fatos provados; e este é o método que proponho adotar. Quando se trata de raças nativas, é preciso gravar seu folclore, as histórias e ritos religiosos nos quais baseiam seu atos e crenças. Então por que não fazer o mesmo com as bruxas inglesas?
Devo explicar por que falo de coisas em geral desconhecidas. Fui por toda a minha vida interessado em magia e assuntos afins, tendo feito uma coleção de instrumentos e encantamentos mágicos. Esses estudos me leva¬ram aos espiritualistas e a outras sociedades, quando encontrei pessoas que diziam ter me conhecido em vidas passadas. Aqui devo dizer que, embora acredite em reencarnação assim como a maioria das pessoas do Oriente, não me lembro de nenhuma vida passada, embora tenha tido experiências curiosas. Eu gostaria de lembrar. De qualquer maneira, logo eu estava no círculo e prestei os juramentos usuais de silêncio que me obrigavam a não revelar nenhum dos segredos do culto. Mas, por ser um culto moribundo, sempre lastimei que todo aquele conhecimento devesse perder-se, de for¬ma que me foi permitido escrever, como ficção, algo sobre a crença das bruxas na obra High Magic 's Aid? O presente volume tem o mesmo propó¬sito, mas trata do assunto de maneira factual.
2. Lembro-me de um garoto lendo nos jornais sobre uma mulher sendo lentamente queimada até a
morte na Irlanda como bruxa. Para esse relato, veja Folk-lore, Vol. 6, 1895: "A queima da Bruxa
em Clonmel".
3. Publicado por Michael Houghton, 49 Museum Street, Londres, W. C. 1.
Muitas pessoas me perguntam como posso acreditar em magia. Se eu explicar o que acredito que seja a magia, dou um grande passo em direção à resposta. Minha opinião é que se trata simplesmente do uso de algumas faculdades extraordinárias. É fato reconhecido que tais faculdades existem. Os chamados meninos calculadores são famosos e muitas pessoas têm a capacidade de, sob transe hipnótico, calcular o tempo mais acuradamente. Enquanto dormem, recebem ordens de fazer algo ao fim de, digamos, um milhão de segundos; eles nem compreenderiam tal ordem em seu estado normal, mas seu inconsciente profundo faz os cálculos e ao fim do milio-nésimo segundo eles obedecem a ordem sem saber o porquê. Tente calcu¬lar um milhão de segundos no estado de vigília e diga quando eles se tiverem passado, sem um relógio, para saber o que isso significa. Os poderes usa¬dos são completamente diferentes de qualquer poder mental que co¬nheçamos. Exercitá-los é, normalmente, impossível. Logo, se há pessoas com poderes além do normal, por que não poderiam haver outras pes¬soas com outras formas de poderes extraordinários e modos não usuais de induzi-los?
Continuamente me perguntam sobre o culto das bruxas e apenas pos-so responder: quase todos os povos primitivos tinham cerimônias de ini-ciação e algumas dessas eram iniciações a sacerdócios, a poderes mágicos, sociedades secretas e mistérios. Eles eram usualmente vistos como neces¬sários para o bem-estar da tribo, assim como para o indivíduo. Incluíam normalmente a purificação e alguns testes de coragem e força - freqüen¬temente severos e dolorosos -, aterrorização, instrução em sabedoria tribal, em conhecimento sexual, na realização de encantamentos e em assuntos gerais ligados à magia e à religião e, freqüentemente, a um ritual de morte e ressurreição.
Eu não questiono os povos primitivos por fazer essas coisas; simples-mente sustento que as bruxas, sendo em muitos casos as descendentes dos povos primitivos, fazem de fato muitas delas. Logo, quando as pessoas me perguntam, por exemplo: "Porque você diz que as bruxas trabalham nuas?", eu apenas posso dizer: "Porque elas o fazem". "Por quê?" é a questão se¬guinte e a resposta, simples, é que os rituais dizem a elas que é necessário. Outra resposta é que suas práticas são remanescentes de uma religião da Idade da Pedra e elas mantêm os antigos costumes. Há também a explica¬ção da Igreja: "Porque bruxas são inerentemente más". Mas eu acredito que a melhor explicação é a das próprias bruxas: "Porque apenas dessa forma podemos obter poder".
As bruxas acreditam que o poder reside no interior de seus corpos e elas podem libertá-lo de diversas maneiras, sendo que a mais simples é dan¬çar em roda, cantando ou gritando, para induzir um frenesi; esse poder que elas crêem exsudar de seus corpos seria retido pelas roupas. Tratando de tais assuntos fica difícil, é claro, dizer o que é verdade e o que é imaginação.
No caso da rabdomancia, se um homem acredita que quando é isola-do do chão por palmilhas de borracha não pode encontrar água, essa crença o inibe, mesmo se as palmilhas não contêm borracha, enquanto que se ves¬tir palmilhas de borracha - embora não o sabendo - ele pode encontrar água, como muitos experimentos provam.
É fácil imaginar que uma bruxa que acredita firmemente ser essen¬cial estar nua não poderia empreender o esforço necessário para atingir o êxtase sem estar nua. Porém, uma outra que não compartilhasse dessa crença poderia, mesmo estando parcialmente vestida, empregar suficiente energia para forçar o poder por seu rosto, ombros, braços e pernas, obtendo algum resultado; mas quem poderia garantir que ela não estaria produzindo duas vezes aquele poder com metade do esforço se estivesse na nudez tradicio¬nal? Apenas podemos ter certeza de que nos tempos antigos as bruxas fa¬ziam dessa forma e mesmo viajavam até seus encontros nesse traje; mas em tempos mais recentes a Igreja, e mais especialmente os Puritanos, ten¬taram silenciar esse fato e inventaram a história da velha louca em uma vassoura, para substituir a história conhecida de danças selvagens de jo¬vens e belas bruxas sob a luz da lua.
Pessoalmente, inclino-me a acreditar que, embora dando margem à imaginação, há algo de certo na crença das bruxas. Penso que há na nature¬za um campo eletromagnético que rodeia todos os corpos vivos, que algu¬mas pessoas vêem e a que chamamos aura. Algumas vezes eu mesmo a posso ver, mas apenas em carne nua, de modo que as roupas evidentemente obstruem seu curso; porém, essa é simplesmente minha crença pessoal. Acredito que uma bruxa, com suas fórmulas, a estimula, ou possivelmente a aumenta. Dizem que bruxas, com prática constante, podem treinar suas vontades para potencializar essa força nervosa, ou o que quer que seja, e que suas vontades unidas podem projetá-la como uma irradiação de força e que elas podem usar de outras técnicas para adquirir a clarividência, ou mesmo para alcançar o corpo astral. Essas práticas incluem aumentar e acelerar o fluxo de sangue, ou em outros casos desacelerá-lo, assim como o uso da vontade-poder; então é razoável acreditar que produza algum efei¬to. Não estou afirmando que produz. Apenas registro o fato de que elas buscam tais efeitos e acreditam que algumas vezes eles ocorrem. O único modo de provar a verdade ou falsidade disso seria experimentando (eu poderia pensar que tangas ou biquínis poderiam ser usados sem necessa¬riamente causarem perda de poder. Seria interessante testar o efeito de um grupo na tradicional nudez e um outro de biquíni). Ao mesmo tempo, po-der-se-ia citar o ditado das bruxas: "Você deve estar dessa forma sempre de acordo com os ritos, este é o comando da deusa". Você deve fazê-lo de modo que se torne uma segunda natureza; você não está mais nu, apenas natural e confortável.
O culto, seja na Inglaterra ou em qualquer outra parte, começa com diversas vantagens. Primeiro, usualmente as recrutas são muito jovens,
sendo lentamente treinadas até terem o senso do mistério e do fantástico, o conhecimento de que têm uma tradição de eras por trás delas. Elas prova¬velmente viram acontecer coisas e sabem que elas podem voltar a aconte¬cer; em vez de mera curiosidade ou de crença piedosa de que "algo pode ocorrer", inibidas por um desconhecimento, mas uma firme crença de que "nunca acontecerá comigo".
O que ocorreu, então, foi isto: certas pessoas nasciam com poderes de clarividência. Elas descobriam que certos ritos e processos desenvol-veriam tais poderes, de forma que eles se tornariam úteis à comunidade. Elas cumpriam esses ritos e obtinham benefícios; sendo felizes e tendo sucesso, eram olhadas com inveja e antipatia pelos outros, tendo come-çado a cumprir seus ritos em segredo. O poder que pode ser usado para o bem pode também ser usado para o mal, e algumas vezes elas eram tenta¬das a usá-lo contra seus oponentes, o que as tornou mais impopulares. Como resultado, calamidades eram atribuídas a elas e pessoas eram tor¬turadas até confessarem tê-las cometido. E quem poderia culpar os filhos de alguns desses que foram torturados até a morte por fazer uma imagem de cera de seus opressores?
Em resumo, tal é a verdade sobre a bruxaria. Nos dias vitorianos ela seria chocante., mas, nestes dias de clubes nudistas, seria tão terrível? Parece ser, para mim, uma espécie de festa de família na qual se tenta um experi¬mento científico de acordo com as instruções de um livro.
Eu gostaria, agora, de tratar da visão, muito freqüentemente sus-tentada, de que a bruxaria tem conexões com o demonismo. O próprio sr. Summers parece pensar que a questão está resolvida apenas por¬que a Igreja católica romana disse que o culto é diabólico, e o livro do sr. Pennethorne Hughes também dá a impressão de que a bruxaria seria um culto ao mal. O Sr. Hughes diz na página 128:
"Enquanto o culto declinava, alguma prática comum deve ter sido perdida, pois por volta do século XIX os praticantes caseiros do demonismo autoconsciente meramente conduziam a Missa Negra do catolicismo in¬vertido. Na época dos julgamentos havia obviamente uma espécie de ser¬viço formal bastante separado do crescendo da dança da fertilidade. Numa era católica, seria muito parecido com o conhecido esplendor das celebra¬ções da própria Igreja, com velas, vestes e uma paródia de sacramento. Deveria ser conduzida por um sacerdote destituído, usando hóstias cocn o nome do diabo estampado em vez do de Jesus e o enlameamento do cruci¬fixo - para insultar os cristãos e agradar ao Demônio. O próprio Demônio recebia orações e homenagens. Uma liturgia do diabo era repetida, haivia um sermão zombeteiro e uma absolvição feita com a mão esquerda e uima cruz invertida."
Aqueles presentes nesses encontros, ele trata da seguinte maneira (página 131):
"Alguns eram, talvez, pessoas com perversões reprimidas e tinham vergonha ou orgulho culpado; alguns eram apenas membros de uma dinastia
primitiva, já quase desaparecida, mas ainda seguindo os passos de seus pais, sabendo que a Igreja os desaprovava, mas encontrando nisso satisfação físi¬ca e psicológica. Alguns eram extáticos. 'O Sabá', disse um deles, 'é o ver¬dadeiro paraíso'."
O Sr. Hughes não diz por que ele pensa que eles teriam aberto mão de seus próprios ritos, que eram feitos com um propósito definido e produ¬ziam resultados definitivos, para simplesmente parodiar os de uma fé es¬tranha. Presenciei diversos desses rituais e declaro que a maior parte do que ele diz não é verdadeiro. Pode haver uma dança da fertilidade, mas os outros ritos são simples e têm um propósito, e de nenhuma maneira se parecem com os da católica romana ou qualquer outra Igreja que eu conhe¬ça. É verdade que às vezes há cerimônias curtas em que bolos e vinho são abençoados e comidos (elas dizem que, nos antigos tempos, hidromel e cerveja eram freqüentemente usados). Pode até ser uma imitação do ágape cristão primitivo, a Festa do Amor, mas não há nenhuma sugestão de que o bolo se torne carne ou sangue. A intenção da cerimônia é ser um curto repasto, embora seja definitivamente religioso.
As sacerdotisas usualmente presidem. Velas são usadas, uma para ler o livro e outras em torno do círculo. De forma alguma isso se parece com a prática de qualquer seita religiosa que eu conheça. Não acho que possa ser chamado "imitação do esplendor da Igreja".
Não há crucifixos, invertidos ou o que seja, não há sermões, zomba¬ria e nenhuma absolvição ou hóstias, salvo o bolo e o vinho já menciona¬dos. O incenso é usado, mas tem um propósito prático. Não há oração ou homenagem ao diabo, nem liturgia, ou mal, nem nada do tipo, nada é dito de trás para a frente e não há gestos com a mão esquerda; de fato, com a exceção de ser um serviço religioso e de todos os serviços religiosos serem semelhantes, os ritos não são de forma alguma imitação de nada que eu tenha visto. Não digo que nunca tenha'havido demonistas. Apenas digo que, até onde conheço, as bruxas não fazem as coisas de que são acusadas e, conhecendo como conheço suas religiões e práticas, não penso que elas já as tenham feito.
Naturalmente, é impossível falar por todas. Já li que sacerdotes e clérigos foram condenados por todos os crimes que há na lei inglesa, e nà Ilha de Man sacerdotes foram condenados por ter cantado salmos de des-truição contra povos (ver Isle ofMan N. M. &A. Soe. Proceedings, vol. V, 1946), o que, ao menos para mim, é um novo crime; mas isso não significa que a maioria dos sacerdotes e clérigos sejam criminosos. Também não penso que seja justo acusar as bruxas de pervertidas enrustidas. Elas po¬dem ser chamadas de seguidoras de uma religião primitiva, já em vias de desaparecimento; elas seguem os passos de seus pais, sabendo que a Igreja desaprova suas práticas, mas encontrando nisso satisfação física e psicoló¬gica. Não se pode dizer o mesmo dos budistas e xintoístas? Eles têm anti¬gos e, para eles, bons ritos e não se preocupam se os outros os desaprovam.
Tudo o que importa é: estão no bom caminho? Aprendi a tolerância nos muitos anos que passei no Oriente e, se alguém acha que o verdadeiro paraíso está nos ritos budistas, no Sabá ou na Missa, fico contente por ele da mesma forma.
Se me fosse permitido revelar todos os seus rituais, seria fácil provar que as bruxas não são demonistas; mas os juramentos são solenes e as bruxas são minhas amigas. Eu não gostaria de ferir seus sentimentos. Elas têm segredos que lhes são sagrados. Têm grandes razões para seu silêncio. Porém, tenho permissão para fazer um resumo de seus ritos. Isso pouco diz, pois além dos ritos elas próprias pouco conhecem. Por uma razão qual¬quer, elas mantêm o nome de seu deus ou deusa em segredo. Para elas, o culto existiu imutável desde o princípio dos tempos, embora haja uma vaga noção de que o antigo povo veio do Oriente, possivelmente como resultado da crença cristã de que o Leste é o lugar sagrado de onde tudo nasceu. Deve-se notar que as bruxas começam pelo Leste a formar o círculo, e a imagem do deus ou deusa é usualmente posta a leste. Pode ser simples¬mente porque o Sol e a Lua nascem no Leste, por causa da posição do altar ou por qualquer razão desconhecida, uma vez que na verdade as invoca¬ções principais são dirigidas ao Norte. Não me foi dada nenhuma razão para isso; mas tenho idéia de que nos tempos antigos acreditava-se que o paraíso era no Norte, sendo que elas afirmam que as Luzes do Norte são as luzes de seu paraíso, embora comumente se pense que ele é sob a terra ou em uma colina oca. Deve-se notar, também, que a mitologia escandinava faz do Norte a morada dos deuses e que no mito gaélico o Sul, freqüentemente camuflado como a "Espanha", é o mal ou o inferno. Presumivelmente, seu oposto, o Norte, é o paraíso.
Assisti a uma cerimônia muito interessante: o Caldeirão da Regene-ração e a Dança da Roda, ou Yule, para fazer com que o sol renasça, ou com que o verão retome. Em tese, deveria acontecer em 22 de dezembro, mas hoje em dia é realizada na data mais próxima em que seja conveniente para todos os membros. A cerimônia começa da maneira usual. O círculo é construído e purificado, sendo também os celebrantes purificados da ma¬neira usual e os procedimentos normais do culto são cumpridos. Então a pequena cerimônia é realizada (geralmente chamada "Atraindo a Lua"). A grande sacerdotisa é vista como uma encarnação da deusa. Segue-se a ceri¬mônia do Bolo e do Vinho. Então um caldeirão (ou algo que o represente) é posto no meio do círculo, cheio de aguardente, e inflamado. Várias ervas, etc, são adicionadas. Então as sacerdotisas ficam perto dele, na posição de pentágono (deusa). A Grande sacerdotisa fica de pé no lado oposto do caldeirão, liderando o canto. As outras formam um círculo, segurando suas tochas. Estas foram acesas no caldeirão em chamas e elas dançam em tor¬no na direção "solar", ou seja, no sentido horário. O canto que ouvi foi o seguinte, embora outros sejam também usados:
"Rainha da Lua, Rainha do Sol Rainha dos Céus, Rainha das Estrelas Rainha das Águas, Rainha da Terra Traga a nós o Filho da Promessa!4
É a grande mãe que o dá à luz
É o Senhor da Vida que renasceu
A escuridão e as lágrimas são deixadas de lado
Quando o Sol aparece de manhã
Sol Dourado das Montanhas
Ilumina a Terra, Acende o Mundo,
Ilumina os Mares e os Rios
As tristezas são deixadas de lado, alegria no Mundo
Abençoada seja a Grande Deusa Sem princípio, sem fim Infinita pela eternidade I.O.EVO.HE seja abençoado."
Elas dançam em roda furiosamente, gritando:
"I.O.EVO.HE
Abençoado seja I.O.EVO.HE seja abençoado".
Algumas vezes os pares se dão as mãos e pulam sobre o caldeirão em chamas, como pude ver. Quando o fogo se extingue, a sacerdotisa coman¬da as danças usuais. Segue-se a isso uma festa.
Haverá algo muito mau ou terrível nisso? Se fosse realizado em uma Igreja, omitindo-se a palavra deusa ou substituindo-a pelo nome de um santo, alguém faria objeções?
Estou proibido de falar de outros ritos por serem definitivamente mágicos, embora eles não façam mais mal do que este. Mas elas não que-rem que se saiba como fazem para aumentar seu poder. As danças que se seguem parecem mais brincadeiras de criança do que danças modernas — podem ser tempestuosas e barulhentas, com muito riso. Na verdade, são mais ou menos brincadeiras de crianças realizadas por gente crescida e, como brincadeiras, têm uma história ou são feitas para um propósito muito mais definido do que simples diversão.
Tenho permissão também para dizer pela primeira vez na imprensa a verdadeira razão de a coisa mais importante na cerimônia ser o "Arranjo do Círculo". Elas dizem que o círculo está "entre os mundos", ou seja, entre este mundo e o próximo, o domínio dos deuses.
4. O sol, tido como renascido.
O círculo tal qual é mostrado em pinturas pode ou não ser usado. Não é conveniente marcá-lo com giz, tinta ou nada assim, para mostrar onde está; mas marcas no tapete podem ser utilizadas. Os móveis podem ser dispostos de forma a marcar as bordas. O único círculo que importa é o que é desenhado antes de cada cerimônia com uma espada mágica afiada ou uma faca, conhecida como o Athame das bruxas ou a Faca de Punho Ne¬gro, que possui sinais de magia no cabo e é a mais usada. O círculo tem geralmente nove pés de diâmetro, a não ser que seja feito com um propósi¬to muito especial. Há dois círculos externos, separados em seis polegadas, de forma que o terceiro círculo tenha o diâmetro de onze pés. Após dese¬nhado, esse círculo é cuidadosamente purificado, assim como todos os que celebrarão o rito. As bruxas dão grande importância a isso, uma vez que dentro do círculo está o domínio dos deuses.
É necessário que haja uma distinção clara entre este e o trabalho de um mago ou feiticeiro, que desenha um círculo no chão e o fortifica com palavras carregadas de poder e invocações (ou tentativas de evocar) de espíritos e demônios para obedecer a suas ordens. Nesse caso, o círculo impede que eles lhe possam fazer mal; ele não ousaria sair dali.
O Círculo das Bruxas, por outro lado, é para manter o poder que elas acreditam fazer crescer de seus próprios corpos e para evitar que ele seja dissipado antes que elas possam moldá-lo à sua vontade. Elas podem pisar fora ou dentro se o desejarem, mas isso envolve alguma perda de poder, de forma que elas evitam fazê-lo tanto quanto possível.
As pessoas tentam fazer-me dizer que, nos ritos, caveiras ou outras coisas repulsivas são usadas. Eu nunca vi tais coisas, mas elas me conta-ram que nos tempos antigos, às vezes, quando o Grande Sacerdote não estava presente, uma caveira e ossos cruzados eram usados para represen¬tar o deus, morte e ressurreição (ou reencarnação). Em nossos dias, a Gran¬de Sacerdotisa está em posição de representar a caveira com os ossos cruzados, ou morte, e se move para outra posição, o pentágono, represen¬tando a ressurreição, durante o rito. Suponho que o tipo de bruxa herbalista da aldeia antiga possa ter usado caveiras e ossos e outras coisas para im¬pressionar o povo, já que isso era esperado delas. Elas eram boas psicólo¬gas e, se um paciente fosse convencido de que um remédio amargo seria bom para ele, a mistura da bruxa certamente teria um gosto horrível - e conseqüentemente curaria. Se as pessoas acreditassem piamente que mambo-jambo com caveiras e ossos davam à bruxa poder para curar ou matar, então as caveiras e os ossos estariam ali, já que as bruxas eram provocadoras; aquilo fazia parte de seu repertório.
Diz-se freqüentemente que a realização da Missa Negra é parte da tradição da bruxaria; mas, para usar as palavras do Dr. Joad, "tudo depende do que se quer dizer" com Missa Negra. No meu entender, é uma paródia blasfema da missa católica. Nunca vi nem ouvi falar disso como tendo rela¬ção com o culto e não acredito que esse já tenha sido um de seus ritos. Os
ritos são realizados com certos propósitos. Isso leva tempo, mas quando terminados a assembléia faz uma pequena refeição, depois dançam e se divertem. Eles não têm tempo ou inclinação para cair na blasfêmia. Alguém já ouviu falar em pessoas se incomodando para realizar uma paródia de um rito budista ou maometano?
Outra coisa que sempre entendi foi que, para realizar uma Missa Negra, seria necessário um sacerdote católico que realizasse uma transubstanciação válida: o Deus presente na hóstia seria profanado. A menos que fosse uma comunhão válida, não haveria profanação. Eu me surpreenderia por en¬contrar um padre católico entre as bruxas em nossos dias, embora no pas¬sado se dissesse que muitos tomavam parte nos cultos. Sugeriu-se que as bruxas não realizavam a Missa Negra, mas que as pessoas se tornavam bru¬xas obtendo hóstias, seja roubando o sacramento das igrejas ou recebendo a comunhão, mantendo-a debaixo da língua e por fim guardando-a no bol¬so; assim elas eram levadas aos ritos e profanadas. Durante toda a minha vida, ocorreram problemas por sacerdotes e missionários terem des ruído ou profanado figuras de deuses bárbaros e também creio que alguns ho¬mens de Igreja não-conformistas obtiveram hóstias consagradas e as leva¬ram ao ridículo. Mas eu nunca ouvi falar que isso os fizesse bruxos, e não creio que bruxas o fizessem ou façam. Por outro lado, houve diversas ocor¬rências de hóstias consagradas sendo usadas de maneira não-ortodoxa por pessoas do povo que não eram bruxas; para acabar com incêndios ou erupções vulcânicas, por exemplo, ou para pendurar no pescoço como amuleto, para trazer a boa fortuna, afastar o mal e, especialmente, impedir ataques de vampiros; mas tudo isso foi feito por crentes. Uma bruxa não faria tais coisas, uma vez que acredita poder fabricar amuletos muito mais poderosos sozinha.
Acredito, porém, que algumas vezes a Missa Negra é realizada. Eu costumava duvidar disso; mas, em fevereiro de 1952, eu estava em Roma e me disseram que padres e freiras destituídos a celebravam de tempos em tempos. Meus informantes garantiram poder arranjar tudo para que eu as¬sistisse a uma delas, mas me custaria vinte libras; eu não tinha dinheiro estrangeiro suficiente ou teria comparecido, para resolver essa questão para minha própria satisfação. Imagino que fosse provavelmente um espetáculo armado para turistas, embora a pessoa responsável houvesse me informado que não.
Resumindo, acredito que as pessoas podem realizar Missas Negras às vezes para fazer medo, ou com intenção má; mas não creio que essas pes¬soas sejam bruxas, ou que saibam algo sobre bruxaria. Por acaso, encontrei mais de uma bruxa em Roma, embora as bruxas se mantenham distantes, e elas nada sabiam sobre a Missa Negra.
Ser iniciada no culto das bruxas não dá a uma bruxa poderes sobre-naturais da forma como os vejo, mas são dadas instruções, em termos bas¬tante velados, sobre processos para desenvolver diversas clarividências e
outros poderes, naqueles que já os possuem naturalmente. Se eles nada têm, nada podem criar. Alguns desses poderes são afins ao magnetismo», mesmerismo e sugestão, e dependem da possibilidade de se formar uma espécie de bateria humana, combinando vontades humanas para influenciair pessoas ou acontecimentos a distância. Elas têm instruções sobre comco aprender essas práticas. Seriam necessárias muitas pessoas por um longo tempo, se é que entendi bem. Se essas artes fossem mais difundidas e pra-ticadas em nossos dias, poderíamos chamar à maioria delas espiritualismo), mesmerismo, sugestão, P. E. S., Ioga ou mesmo ciência cristã; para uma bruxa tudo isso é Magia, e a magia é a arte de obter resultados. Para tal, certos proces-;-sos são necessários e os ritos são feitos de forma a empregar esses processos». Em outras palavras, você é condicionado a eles. Este é o segredo do culto».
Não digo que esses processos sejam o único modo de desenvolver & poder. Presumo que clarividentes profissionais, por exemplo, têm algurm método de ensino ou treinamento para desenvolver o poder que possuerm naturalmente. E possível que seu método seja superior ao da bruxaria; pos--sivelmente, eles conhecem o sistema das bruxas e todo o ensinamento en¬volvido, mantendo-os como um segredo de profissão. As bruxas tambérm crêem que, de um modo misterioso, "dentro do círculo elas estão entre oss mundos" (este mundo e o próximo) e que "o que acontece entre os mundoss nada tem a ver com este mundo". Para formar sua bateria de vontades;, inteligências masculinas e femininas são necessárias em pares. Na praticai, são comumente marido e mulher, mas há jovens que fazem ligações quee freqüentemente acabam em casamento. Há também, claro, pessoas soltei¬ras, ou alguns cujos consortes respectivos não são, por alguma razão qual¬quer, membros do culto. Ouvi de alguns puristas convictos que nenhurm homem ou nenhuma mulher casada deveria pertencer, ou assistir, a ne¬nhum clube ou sociedade à qual seus respectivos parceiros não pertences¬sem; mas tais visões estreitas não são parte da bruxaria.
A bruxaria não foi, e não é, um culto para todos. A não ser que vocéê tenha uma atração para o oculto, um senso de fantástico, um sentimento â& que você pode escorregar por alguns minutos deste mundo para o outro mundo de encantamento, ela não terá uso para você. Com ela você podee obter paz, acalmar os nervos e diversos outros benefícios, apenas com & companheirismo, mas para obter os efeitos mais fundamentais você devee tentar desenvolver qualquer poder oculto que possa ter. Mas é inútil tentair desenvolver tais poderes, a não ser que você tenha tempo e um parceiro adequado, não sendo apropriado chamar sua tia solteirona, mesmo se elaa for romântica; pois bruxas, para ser realista, têm poucas inibições e see quiserem produzir certos efeitos elas o fazem de maneira simples. Emboraa a maior parte de suas atividades seja para o bem, ou ao menos não tenhanH nada de mau, certos aspectos dão à Igreja da Inglaterra e aos puritanos aa chance de acusá-las de toda espécie de imoralidades, culto ao Diabo e ca¬nibalismo, como já mostrei. A tortura às vezes fez com que algumas pobress
coitadas confessassem tais impossibilidades, para induzir o questionador a permanecer longe da verdade. O fato de seu Deus ter chifres fez com que o povo o confundisse com o Diabo. O fato de que as bruxas fossem freqüen¬temente pessoas de alguma posse que merecesse ser roubada deu o incen¬tivo; a tortura e os ferros em brasa fizeram o resto. O temor cristão e o fogo cristão prevaleceram. Os poucos membros remanescentes do culto retira¬ram-se e continuam em segredo desde então. Estão felizes praticando seus adoráveis antigos ritos. Eles não querem converter: converter significa fa¬lar: falar significa aborrecimento e semiperseguição. Tudo o que desejam é paz.
CAPÍTULO II
HOUVE BRUXAS EM TODAS AS ERAS
Poderes largamente hereditários - seu uso na Idade da Pedra - o mito da Grande Mãe — o desejo de renascer do homem primitivo é também o das bruxas -paraíso especial para adoradores - bruxaria no Antigo e no Novo Testamentos - bruxas em diversos lugares e eras — papado e sacerdócio tratam a bruxaria como rival, como maniqueus e cataristas, valdenses e albigenses - identificação dos pagãos com bruxas e heréticos — a verdade sobre as vassouras - os tempos da perseguição; Matthew Hopkins e suas vítimas - uma era de bronze da bruxaria na Dinamarca — crenças druídicas — cultos bruxescos mexicanos com uma deusa nativa — encobrimento da bruxaria com o advento da cristandade — o povo miúdo: duendes, fadas ou uma raça primitiva?
Houve bruxas em todas as épocas e países. Ou seja, houve homens e mulheres que tiveram conhecimento sobre curas, filtros, encantos e poções do amor e, às vezes, venenos. Algumas vezes, acreditou-se que elas po¬diam afetar o clima, trazendo chuva ou seca. Por vezes foram odiadas, por vezes foram amadas; houve épocas em que foram altamente honradas, em outras, perseguidas. Elas diziam, ou faziam acreditar, estar em comunica¬ção com o mundo dos espíritos, com os mortos, e algumas vezes com os deuses menores. Geralmente se pensava que seus poderes eram hereditários ou que o ofício podia ser exercido por famílias. As pessoas acorriam a elas sempre que necessitavam de curas, boas colheitas, boa pesca ou qualquer que fosse sua necessidade. Elas eram, de fato, as sacerdotisas ou represen¬tantes dos deuses menores, que, por serem menores, se preocupariam em ouvir os problemas do povo. Geralmente pensa-se nelas como dançarinas selvagens, "com poucas inibições".
Na Idade da Pedra, o que o homem queria principalmente eram boas colheitas, boa caça, boa pesca, aumento de rebanhos e manadas e muitos filhos para fortalecer a tribo. Tomou-se tarefa das bruxas realizar ritos para
obter essas coisas. Era provavelmente uma era matriarcal, quando o ho-mem caçava e a mulher ficava em casa praticando a medicina e a magia. Historicamente, o período matriarcal foi datado aproximadamente da me-tade do nono à metade do segundo milênio a.C, durante o qual cavernas, árvores, a lua e as estrelas eram provavelmente reverenciadas como em-blemas femininos. Assim, o mito da Grande Mãe veio à luz e a mulher era sua sacerdotisa. Provavelmente na mesma época, o homem tinha um Deus caçador, que comandava os animais. Mais tarde talvez tenha vindo a idéia de uma vida futura e pensamentos de que o próximo mundo seria um lugar infeliz, a menos que fosse possível atingir a morada dos deuses, uma espé¬cie de paraíso. Este era imaginado como um lugar de descanso e alívio, onde a pessoa rejuvenesceria novamente e estaria pronta para a reencarna-ção na terra.
O homem primitivo temia renascer fora de sua própria tribo, então suas orações rogavam a Deus que o fizessem nascer novamente no mesmo local e ao mesmo tempo que seus entes queridos, e que ele pudesse lem¬brar-se e amá-los novamente. O deus que governava esse paraíso seria, acho, a Morte, mas em alguns lugares ele é identificado com o deus da caça e usava seus chifres. Este deus da morte e da caça, ou seu representante, parece ter tomado a liderança do culto em uma época e o homem se tornou o mestre. Mas deve-se enfatizar que, por causa de sua beleza, doçura e bondade, o homem colocou a mulher, como deus colocando a deusa, no lugar principal, de forma que a mulher dominasse as práticas do culto.
Eis o que provavelmente aconteceu: havia uma religião tribal organi-zada, com um deus tribal masculino, e uma ordem de sacerdotisas e seus maridos que se preocupavam com a magia. O grande sacerdote do culto tribal dominava quando estava presente, mas em sua ausência a sacerdoti¬sa comandava. Minhas bruxas falam dele como o deus da "Morte e o que está além": com isso elas não apenas estão falando da vida no próximo mundo, mas da ressurreição (ou reencarnação). Ele comanda não apenas uma espécie de terra das felizes caçadas, para onde pessoas comuns vão e se reúnem com pessoas com as quais têm afinidades; pode ser um lugar agradável ou desagradável, de acordo com a sua natureza. Conforme os seus méritos, você pode ser reencarnado no tempo e tentar sua sorte no lugar e com as pessoas em que tal ocorrer; mas o deus tem um paraíso especial para seus adoradores, que condicionaram seus corpos e sua natu¬reza sobre a terra, que gozam de vantagens especiais e são preparados mais rapidamente para a reencarnação, que é dada pelo poder da deusa em cir¬cunstâncias que asseguram seu nascimento novamente em sua própria tri¬bo. Isso é novamente trazido à baila em um círculo de bruxas. Pode parecer que envolve uma série infinita de reencarnações; mas me disseram que em algum tempo você se torna poderoso, também chamado de morto podero¬so. Nada pude aprender sobre eles, mas me parecem uma espécie de semi-deuses - mas também poder-se-ia chamá-los de santos.
Mais tarde houve, talvez, outras razões para que as mulheres fossem dominantes nas práticas de culto, embora, como já foi dito, haja quase tantos homens quanto mulheres entre as bruxas. A Bíblia nos conta da pobre Bruxa de Endor, perseguida, trabalhando em segredo quando todas as outras bruxas haviam sido expulsas da terra. Também é relatada a histó¬ria da feiticeira Huldah, que vivia no Estado de Jerusalém e era consultada pelo rei sobre pontos profundos da religião que o próprio Grande Sacerdo¬te não podia responder. A conseqüência desafortunada da baixa posição da mulher durante a Idade Média, quando era contra a tradição geral da Igreja elevar e melhorar sua situação, ou pelo menos erguê-la ao que era nos tempos pré-cristãos, também deve ser lembrada. Assim, a Igreja vituperou contra Paracelso, quando ele escreveu um livro glorifícando as mulheres, chamando-o um "adorador de mulher". Segundo Hughes:
"Isso significa que a maior parte das mulheres ressentia-se dessa sub-jugação, e uma religião secreta, na qual a mulher era importante e que fazia da atividade sexual um mistério de orgulho em vez de um trabalho penoso, foi nascendo. Essa religião serviu também como uma caverna de Adulão psicológica para mulheres emotivas, depressivas, masculinizadas e para aquelas sofrendo com desapontamentos pessoais, ou de desajustamento nervoso que não foi resolvido com os recursos locais da Igreja."
Os motivos individuais que persuadem uma pessoa a se tornar bruxa, além daquelas para quem a bruxaria era uma antiga religião, em geral são bastante complicados. Como em outros cultos, embora as práticas propor-cionem repouso, paz e alegria para muitos, alguns de seus recrutas são apenas um empecilho e, como legiões de espiões devem ter tentado entrar apenas para traí-los, em um primeiro momento só eram admitidos ingressantes que tinham aquilo no sangue; ou seja, de uma família de bru¬xas. Os vários rituais de adoração, segredos do conhecimento das ervas e o grande segredo ao qual eles chamam magia foram tratados de forma que se tornaram quase uma sociedade familiar secreta.
Na Palestina e em outros países há dois tipos de bruxas: a herbalista ignorante e vendedora de amuletos, e a bruxa descendente de uma linha-gem de sacerdotes e sacerdotisas de uma religião antiga e provavelmente da Idade da Pedra, que fora iniciada de uma certa maneira (recebida no círculo) e tornou-se receptora de um certo conhecimento antigo.
Houve épocas em que a Igreja ignorava a bruxa, mas, quando o papado se enraizou, os sacerdotes trataram o culto como um odioso rival e tenta¬ram levá-lo à extinção. Os puritanos também empreenderam esse trabalho e, entre eles, praticamente tiveram sucesso.
Do século XI em diante a Igreja teve diversos rivais perigosos. As doutrinas maniqueístas estavam espalhadas na Europa meridional; havia diferentes seitas, mas elas conviviam pacificamente lado a lado. Havia tam¬bém semelhanças com os cataristas. Eles tinham seus próprios bispos e diáconos e grande reverência por seus "Perfeitos" - iniciados que eram
vistos como quase divinos. Prostavam-se ante eles, dizendo "Benedicte". Os Perfeitos também se adoravam entre si, embora sua adoração não fosse dirigida a eles próprios, mas ao Espírito Santo que descera entre eles. A Igreja fazia com que os cataristas acreditassem que eles poderiam livre¬mente entregar-se a todos os tipos de prazer e boêmia até terem entrado no círculo dos Perfeitos; que suas almas passariam de uma criatura para outra (reencarnação) até que se tornassem Perfeitos e então ascendessem ao céu com a morte. Eles também eram encarregados de persuadir as pessoas a não dar dinheiro para a Igreja.
Havia seitas similares conhecidas como valdenses e albigenses. Sa-bemos praticamente apenas aquilo que a Igreja nos conta sobre eles e ela os ataca a todos, com a bruxaria no meio. Organizaram-se cruzadas, enor¬mes massas humanas foram massacradas, as seitas desapareceram na sub¬versão e a perseguição estendeu-se aos pagãos, o Povo das Matas, que ainda praticava a antiga religião. Aparentemente, dizia-se que todos os pa¬gãos eram heréticos e bruxas, e que todas as bruxas eram automaticamente heréticas.
Como parte dessa campanha, toda espécie de falsas idéias foi difun-dida, até que a noção popular de bruxa tornou-se a da definição comum: "uma bruxa é uma velha que voa em uma vassoura". Mas nenhuma bruxa jamais voou em uma vassoura nem nada parecido, pelo menos até que o avião fosse inventado. Porém, há um encantamento de fertilidade para trazer boas colheitas que é praticado montando-se num bastão, vassoura ou cavalo de pau. Sem dúvida, as antigas bruxas praticaram esse rito, pulando alto para fazer com que a plantação crescesse. Nos primeiros julgamentos, testemunhas falavam ter visto a acusada montada em bas-tões, ou vassouras, correndo pelos campos (não pelo ar), e isso era fre-qüentemente aceito como evidência de que elas estavam praticando a magia da fertilidade, que se tornou uma ofensa penal. No Museu de Castletown há um desses bastões de montar, sendo o topo esculpido em forma de falo para atrair a fertilidade.
Na Ilha de Man, em 1617, uma mulher foi vista tentando obter uma boa colheita dessa maneira. Ela foi julgada, condenada e queimada até a morte na praça do mercado. Havia evidência suficiente de que ela estava sozinha em sua tentativa de atrair a fertilidade, mas seu jovem filho foi queimado com ela, para que todos soubessem que as crianças eram inicia¬das desde a mais tenra idade. Isso apenas mostra que a história da bruxa velha é mito. As crianças eram feitas bruxas já bem jovens; logo, as bruxas eram de todas as idades. Além disso, relatos de julgamentos incluem itens como este: "Condenadas e queimadas, duas bruxas, meninas de dezesseis anos, ambas jovens e deploravelmente bonitas".
Quando praticamente todas as bruxas estavam condenadas à marginalidade, estimava-se que cerca de nove milhões de pessoas haviam sido torturadas até a morte durante a perseguição na Europa; qualquer velha
que vivesse sozinha, que perturbasse ou fosse impopular, era passível de ser acusada, especialmente se tivesse uma mascote e falasse com ela, ou falasse sozinha, tal como muitas senhoras solitárias gostam de fazer. Tais acusações eram diversão para as massas, despojamento, espetadelas, mer¬gulhos e assim por diante, assim como um bom pagamento para o caçador de bruxas profissional. Na Inglaterra, Matthew Hopkins fez disso um bom negócio. Ele capturava quem fosse impopular ao regime puritano e o tortu¬rava até lhe arrancar confissões; também apanhava qualquer velha impo¬pular e fazia com que a executassem. Ele recebia uma libra por cabeça em todas as acusações; essa quantia representa consideravelmente mais em nossos dias. Havia muitos outros que faziam o mesmo. Espetadelas e mer¬gulhos asseguravam uma acusação e os ofensores podiam ser torturados à vontade. Freqüentemente eles confessavam, pois o enforcamento, ou mes¬mo um cozimento de meia hora, eram melhores que semanas de tortura contínua. Dessa maneira, a noção de bruxa velha tornou-se popular. Não é razoável que nenhuma dessas velhas fossem bruxas de verdade, ou seja, que tenham sido iniciadas no círculo; mas sem dúvida algumas delas co¬nheciam velhas curas populares.
Voltando a um tempo muito mais antigo, Ame Runeberg nos conta sobre um túmulo de bruxa na Idade do Bronze encontrado na Dinamarca. Entre caras espadas e jóias de ouro, esta maga tinha uma tigela de bronze contendo o seguinte. Adaptamos seu uso a nossos dias:
1. A garra de um lince. Usada hoje em dia como remédio e como
amuleto.
2. Ossos de doninha. A pele da doninha ainda é usada como
remédio contra todas as espécies de doenças em animais.
3. Vértebras de cobra. Pele de cobre pulverizada e juntas de
cobra ainda são usadas em tratamento de animais doentes.
4. Dentes de cavalo, quebrados e feitos em pedacinhos. São
usados hoje, postos em volta do pescoço das crianças para
fazer com que seus dentes cresçam fortes.
5. Um galho de sabugueiro. Galhos de sabugueiro são usados
hoje em dia em amuletos, etc.
6. Carvão de álamo. O carvão de um álamo aceso ainda hoje é
um remédio de força especial.
7. A lâmina de uma faca de ferro e um fio de bronze. O aço tem
uma grande força, especialmente em forma de lâmina.
8. Duas pederneiras. Toda espécie de olho gordo é curada
acendendo-se fogo com piritas sobre a cabeça do paciente.
9. Diversas peças de ossos pequenos, seixos e argila.
Logo, pode-se notar que antigas idéias perduram por muito tempo. Essa bruxa da Idade do Bronze era evidentemente uma pessoa importante e
as curas que usou são praticamente as mesmas que os encantamentos dina¬marqueses de hoje, de forma que é provável que outros conhecimentos possam ter sobrevivido. As Sagas Escandinavas mostram semelhanças notáveis com as crenças das bruxas européias de hoje, andando em bando, com o cabelo desgrenhado em ondas, enviando a alma para fora do corpo, mudando formas e muitas outras coisas. A religião dos antigos celtas era bem diferente da escandinava, mas os druidas eram sacerdotes, doutores e professores que causavam boas ou más colheitas, tornavam férteis as mu¬lheres e os rebanhos, e provocavam um sono mágico (hipnótico).
As considerações, tanto de escritores latinos como de gaélicos, nos dão uma boa idéia da alta estima em que os nativos tinham seus druidas e tanto na Gália quanto na Irlanda acreditava-se que o culto se originara na Bretanha. Assim, eles enviavam para lá seus "estudantes de teologia" para aprender as doutrinas da fonte mais pura. Plínio, o velho, nos conta que a Bretanha "deve ter ensinado magia à Pérsia". Sabemos pouco sobre seus ensinamentos, mas eles acreditavam na reencarnação. César nos conta que eles tinham a seguinte crença: "As almas não são aniquiladas, mas passam após a morte de um corpo para outro... com esse ensinamento, os homens são encorajados ao valor, embora desconhecendo o medo da morte". Essa era a crença usual, já que o herói Cuchulainn foi apressado pelos homens do Ulster a se casar, uma vez que eles não queriam perder o maior guerrei¬ro da tribo e sabiam que ele renasceria entre seus descendentes. O Livro de Dun Cow nos conta que o famoso Fin Mac Coul renasceu no Ulster na pessoa do rei Mongan, duzentos anos após sua morte.
Também havia uma classe de adivinhas chamadas Druidesas e men-cionada por César em seu De Bello Gallico, que era vista como sendo ainda mais antiga que os druidas; elas podiam mudar de forma e parece que tinham todas as características das bruxas. Elas faziam chuva derra-mando água sobre ou perto de virgens nuas. Os cristãos as acusavam de "batizar" crianças no paganismo. Apenas se podia entrar em sua associa-ção pela iniciação, aprendendo e praticando sua sabedoria secreta. Seu poder mágico era muito temido pelos primeiros cristãos, que o atribuíam ao Demônio.
Se apenas soubéssemos em que os druidas realmente acreditavam e o que ensinavam, se havia apenas uma forma de crença ou se eles tinham diversas seitas entre eles, seria muito mais fácil dizer o que tem ou não uma conexão com a bruxaria. As mais tardias podem ter sido puramente ortodoxas, embora de um tipo extremamente elevado ou ultrabaixo, a reli¬gião fantástica de diversas mulheres, uma heresia vil, ou simplesmente a religião das nativas com quem nenhuma pessoa decente tratava. E bastante possível que houvesse várias dessas coisas em diferentes épocas e diversas partes do país. Minha impressão é que isso era visto como a religião do povo pré-céltico, com seus próprios deuses, e os druidas achavam bom e certo que o povo pudesse ter e adorar seus próprios deuses. Mas pouco a
pouco as idéias célticas se infiltraram. Penso que com o mito da deusa se deu o mesmo. Assim, uma deusa celta menor infiltrada por sua beleza e doçura trouxe grandes mudanças em um primitivo culto de caçadores. Esta é simplesmente uma teoria pessoal e dou essas opiniões porque não tenho permissão de relatar os ritos e orações nos quais as baseio. E, é claro, o inverso pode ter ocorrido; pode ter havido um culto céltico ortodoxo no qual práticas e crenças mais primitivas se infiltraram durante o colapso havido após a invasão romana e a introdução do cristianismo; devemos levar em conta os efeitos das religiões de mistério gregas e romanas. Após a invasão saxâ houve provavelmente um influxo de cristãos romano-britâ-nicos que entraram no culto das bruxas pensando que a invasão era uma punição por terem abandonado os antigos deuses, e que os deuses das bru¬xas eram os deuses verdadeiros com outros nomes.
Pode ser apenas coincidência que no México haja um culto de bruxas muito semelhante ao da Europa, que existiu desde os tempos pré-colombia-nos. Eles tinham uma deusa, ou rainha bruxa, sempre representada nua e trazendo uma vassoura (que representa limpeza ou pureza ritual no México). A bruxa européia dava grande ênfase à limpeza e à pureza.
Em seus encontros, as mulheres sempre estavam despidas, mas traziam uma gravata ou uma capa curta (as bruxas européias dão grande importân¬cia à gravata). No México, os homens usavam uma lapela de pele na frente e atrás, como as bruxas irlandesas, mas a removiam para certas cerimô¬nias. Os índios não beijavam, mas davam uma carícia de boas-vindas. Eles usualmente trabalhavam em pequenos quartos, com pinturas nas paredes que confinavam o poder acumulado, assim como as bruxas usam o círculo para o mesmo fim.
Embora não seja impossível que haja algum cruzamento do Atlântico antes de Colombo, imagino que essa semelhança seja mais provável por produzir efeitos similares nos dois lados do mundo.
Pode parecer impossível a alguns que um culto tenha preservado sua identidade e ensinamentos por tanto tempo; deve-se lembrar ainda que não é apenas a lenda religiosa a ser preservada, mas também o rito, as condi¬ções e os efeitos produzidos. A religião pode mudar, a raça pode mudar, a linguagem pode mudar, mas a causa e o efeito permanecem, e é isso que tende a manter a lenda imutável.
Com o advento do cristianismo, a bruxaria teve de ser ocultada. Sob os saxões, ela continuou em comunidades marginais ou migrou para Wales, Cornualha e Bretanha. Diversos membros do culto, junto com remanes¬centes dos antigos habitantes, viveriam em lugares para os quais as raças conquistadoras não iriam. Após algumas gerações de alimento escasso, uma raça naturalmente pequena, provavelmente cruzada com os pictos e tribos pigméias, tornar-se-ia ainda menor em comparação com os bem-alimentados saxões, e foi chamada de "Povo Miúdo", sendo que a palavra
"pixie"* derivou-se de pictos. Essa raça selvagem - caçadores que de¬viam manter-se ocultos, conhecer a prática de alguns ritos mágicos, usar setas envenenadas - naturalmente tornar-se-ia odiada e temida. Um verso bem conhecido descreve a situação:
Sobre a montanha pedregosa Abaixo no vale musguento Não ousamos ir caçar Por medo dos homenzinhos
Eles eram pessoas misteriosas, mas, embora não gostassem que ou-tros entrassem em seus domínios, podiam ser bons amigos se a pessoa fosse gentil com eles e a ajudariam sempre que precisasse. Na Ilha de Man há a Ponte das Fadas, pela qual nenhum sulista passa sem saudar as fadas. Isso vem de uma época em que os nortistas repentinamente invadiram o Sul, expulsando os sulistas; estes fizeram um último e desesperado esforço de resistência sobre essa ponte, quando de repente nuvens de longas setas de zarabatana, revestidas de pedra, untadas de uma substância preta, vie¬ram às costas dos invasores. Os nortistas as reconheceram; um arranhão significava a morte. O grito ecoou: "Fujam, os homenzinhos estão nos ata¬cando!", e os invasores escaparam. Mais tarde, a história foi transformada em um conto de fadas para as crianças, por causa do amor do povo pelo maravilhoso; mas sem dúvida o fato realmente aconteceu.
Em Bornéu, há cerca de cinqüenta anos, eu vi o terror surgir com um ataque similar de setas de zarabatana. Elas tinham o tamanho aproximado de agulhas de costura. Um arranhão causava a paralisia em cerca de trinta segundos; a morte vinha em poucos minutos. Nunca corri tão rápido em minha vida; mesmo assim, não pude alcançar os outros do grupo.
* N. do T.: Pixie = duendes, fadas.
CAPÍTULO III
CRENÇAS DAS BRUXAS
O reino após a morte, onde há o alívio antes do renascimento — texto integral do Mito da Deusa - paralelos com outras crenças ~ a declara¬ção lida antes da iniciação na comunidade das bruxas — a bruxaria não é anti-cristã — liderança com primazia feminina.
Acho difícil dizer exatamente em que a bruxa de nossos dias acredita. Conheço uma que vai à Igreja de vez em quando, embora ela seja apenas uma conformista ocasional. Acredita firmemente em reencamação, assim como muitos cristãos. Não sei como ela ou eles reconciliam isso com os ensinamentos da Igreja. Mas, para começar, a crença em muitos paraísos diferentes, cada um com seu deus diferente, não é incomum. O deus do culto é o deus do próximo mundo, da morte e da ressurreição, ou da reen-carnação, o consolador, o confortador. Após a vida, você vai alegremente a seu reino para o descanso e o alívio, tornando-se jovem e forte, esperando a época de renascer na terra de novo, e você pede a ele que mande de volta os espíritos de seus mortos queridos para que se regozijem com você em suas festas.
Torna-se claro que elas acreditam em algo desse tipo, por causa do mito da deusa que forma a parte central de um de seus rituais. É um tipo de espiritualismo primitivo.
Bruxas não têm livros de teologia, então para mim é difícil descobrir em que elas realmente acreditam. Com todos os milhares de livros escritos sobre a cristandade, ainda acho difícil definir as crenças cristãs. Transubs-tanciação, por exemplo. Por outro lado, é fácil fornecer a idéia central ou mito, que em minha opinião pode-se definir como uma história que afeta as ações das pessoas. Estritamente falando, nesse sentido o mito da cris-tandade está na crucifixão e na ressurreição, e poucos cristãos discordam disso. O mito da bruxaria parece ser a história da deusa aqui citada. Estou proibido de fornecer seu nome, então vou chamá-la G.
G. nunca amou, mas ela resolve todos os mistérios, mesmo o mistério da Morte, e assim ela viajou às terras baixas. Os guardiões dos portais a
desafiaram. "Despe teus trajes, tira tuas jóias, pois nada disso podes tra-zer contigo em nossa terra. "Assim, ela pôs de lado seus trajes e suas jóias efoi amarrada como o eram todos os que entravam nos reinos da Morte, a poderosa*.
Tal era a sua beleza que a própria Morte se ajoelhou e beijou seus pés, dizendo: ''Abençoados sejam esses pés que te trouxeram por estes caminhos. Permanece comigo, mas deixa-me pôr minha mão fria sobre teu coração ". E ela respondeu: "Eu não te amo. Por que fazes com que todas as coisas que eu amo e que me alegram se apaguem e morram? " "Dama, " respondeu a Morte, "isto é a idade e o destino, contra os quais não sou de nenhuma ajuda. A idade faz com que todas as coisas feneçam; mas, quan¬do o homem morre ao fim de seu tempo, eu lhe dou descanso epaz e força para que ele possa retornar. Mas tu és adorável. Não retornes; permanece comigo. " Mas ela respondeu: "Eu não te amo ". Então a Morte disse: "Como não recebes minha mão em teu coração, receberás o açoite da Morte". "Esse é o destino, que seja cumprido, " disse ela, ajoelhando-se. A Morte açoitou-a e ela gritou: "Conheço os sofrimentos do amor ". E a Morte disse: "Abençoada sejas " e lhe deu o beijo quíntuplo, dizendo: "Que possas atingir a felicidade e o conhecimento ".
E ela lhe contou todos os mistérios e eles se amaram e se tornaram um; e ela lhe ensinou todas as magias. Por isso, há três grandes eventos na vida do homem - amor, morte e ressurreição no novo corpo - e a magia os controla a todos. Para realizar o amor, você deve retornar na mesma época e lugar que os entes amados e deve lembrar-se e amá-lo ou amá-la novamente. Mas, para renascer, você deve morrer e ficar pronto para um novo corpo; para morrer, você deve ter nascido; sem amor você não pode nascer e eis toda a magia.
Esse mito sobre os quais os membros baseiam suas ações é a idéia central do culto. Talvez seja trabalhoso explicar idéias e rituais já concebi-dos e explicar por que o deus mais sábio, mais velho e poderoso deveria dar seu poder à deusa por intermédio da magia. É muito fácil dizer que é
5. Havia um costume céltico de amarrar cadáveres; a corda com a qual um deles fora amarrado era de grande valia na obtenção da segunda visão. Mas no Mundo Antigo parece ter sido difundi¬da a idéia de que uma pessoa viva deve ser amarrada para chegar à presença dos Senhores da Morte. Tácito, em Germânia XXIX, fala de bosques sagrados onde homens se juntam para obter augúrios ancestrais, para entrar nesses domínios sagrado dos Senhores da Morte. "Todos são atados com correntes para mostrar que estão em poder da Divindade e, se lhes acontecesse cair, não tinham ajuda para levantar. Deitados como estão, devem rolar pelo caminho da melhor forma possível. " Isso mostra que eles eram amarrados bem forte, de forma que não podiam erguer-se; logo, é claro que não era uma amarração "simbólica".
Luciano, em sua obra Vera Historia, que, embora seja um romance, trata de crenças populares, fala de pessoas vivas desembarcando na Ilha dos Abençoados, sendo instantaneamente atados com correntes e levados à presença do Rei dos Mortos.
A idéia de pessoas vivas, ou recém-mortos, sendo amarrados com correntes logo que chegam à terra dos mortos pode ser, em minha opinião, a origem da idéia de fantasmas arrastando corren-tes; mesmo no Limbo eles permaneceriam amarrados.
apenas a história de Ishtar descendo aos infernos, mas o ponto principal da história é outro. Pode-se dizer também que é simplesmente Shiva, o deus da Morte e da Ressurreição; mas novamente a história é diferente. É bas¬tante possível que as histórias de Ishtar e Shiva tenham influenciado o mito, mas acho que sua origem é mais provavelmente céltica. Nas lendas célticas, os Senhores do Submundo preparavam a pessoa para o renasci¬mento; dizia-se que muitos vivos haviam entrado em suas regiões, forma¬do alianças com eles e retornado em segurança, mas era preciso grande coragem; apenas um herói ou um semideus se arriscaria desse modo. Os mistérios célticos certamente continham rituais de morte e ressurreição e possivelmente visitas ao submundo com um retorno em segurança. Acho que o purgatório de São Patrício em Lough Derg é uma versão cristianizada dessa lenda.
O homem primitivo temia a idéia de renascer em outra tribo, entre estranhos, de forma que rezava e realizava ritos para se assegurar de que nasceria novamente na mesma época e no mesmo lugar que seus amados, que o conheceriam e o amariam em sua nova vida. A deusa do culto das bruxas é obviamente a Grande Mãe, a que dá a vida, o amor encarnado. Ela comanda a primavera, o prazer, a festa e todos os deleites. Mais tarde, ela foi identificada com outras deusas e tinha uma especial afinidade com a lua.
Antes de uma iniciação, lê-se uma declaração que começa assim: Ouça as palavras da Grande Mãe, que antigamente foi chamada pelos homens de Artemis, Astartéia, Diana, Melusina, Afrodite e muitos outros nomes. Em meus altares a juventude da Lacedemônia fez o devido sacrifício. Uma vez por mês, de preferência quando a lua está cheia, encontrem-se em algum lugar secreto e me adorem. Pois sou a rainha de todas as magias...
Pois sou uma deusa graciosa, dou alegria à terra, certamente, não a fé, durante a vida; e após a morte, a paz inexprimível, o descanso e o êxtase da deusa. Nada peço em sacrifício...
Essa declaração vem, eu acho, da época em que romanos ou estran-geiros chegaram; isso explicaria o que nem todos sabiam em épocas passa¬das e identifica a deusa com deusas de outras terras. Imagino que uma declaração similar era uma característica nos antigos mistérios.
Estou proibido de revelar algo mais; mas, se você aceitar a regra dela, tem a promessa de vários benefícios e é admitido no círculo, apresentado à Morte Poderosa e aos membros do culto.
Há também um pequeno "susto", uma "prova" e um "juramento"; mostram-lhe algumas coisas e lhe dão alguma instrução. Tudo é muito sim¬ples e direto.
Entre as declarações mais comuns contra as bruxas está a de que elas repudiam ou negam a religião cristã. Tudo o que posso dizer é que eu e meus amigos jamais ouvimos algo sobre tais negações e repúdios. Minha
opinião é de que em tempos primitivos todos pertenciam à velha crença e adoravam regularmente os antigos deuses antes de serem iniciados. Para as pessoas como os romanos e romano-bretões, eles estariam apenas adoran¬do seus próprios deuses, identificados com os célticos; logo, nada haveria para ser repudiado.
Possivelmente, durante a perseguição, se pessoas desconhecidas apa¬reciam em um encontro religioso, seriam questionadas para se descobrir se eram espiões; provavelmente lhes pediam para negar o cristianismo, como uma espécie de teste. Eles nunca iniciariam alguém, não o trariam ao círcu¬lo, a menos que soubessem com certeza que era pertencente à velha crença. Quando a perseguição aumentou, o culto escondeu-se e praticamente só as crianças nascidas e criadas no culto eram iniciadas. Acredito que algumas vezes, quando alguém que não fosse do sangue desejasse ingressar, ele era questionado; mas daria na mesma pedir ao postulante médio que negasse o cristianismo ou que negasse uma crença em Fidlers Green, sobre o qual os velhos marinheiros costumavam falar: o paraíso para onde os velhos mari¬nheiros iam, que ficava bem longe do Inferno.
Logo, penso que, embora houvesse casos de pessoas que negavam o cristianismo, estas foram bem poucas. Dizer que isso é "provado" porque muitas bruxas foram torturadas para admitir que repudiavam o cristianis-mo é a mesma coisa que dizer que tal testemunho prova que elas voavam em vassouras. Meu grande problema para descobrir quais foram suas cren¬ças reside no fato de elas terem esquecido praticamente tudo sobre seu deus; tudo o que posso saber é por meio dos ritos e orações dirigidos a ele.
As bruxas não conhecem a origem de seu culto. Minha própria teoria é, como já disse, que é um culto da Idade da Pedra, dos tempos matriarcais, quando a mulher era líder; mais tarde, o deus homem se tornou dominante, mas o culto das mulheres, por causa de seus segredos mágicos, continuou como uma ordem distinta. O grande sacerdote do deus homem às vezes compareceria aos encontros delas e os lideraria; quando estivesse ausente, a grande sacerdotisa era sua representante.
Deve-se notar também que há certos ritos em que um homem deve liderar, mas, se um homem do grau requisitado não está disponível, uma sacerdotisa chefe veste uma espada e é vista como um homem para a oca¬sião. Mas embora a mulher possa ocasionalmente tomar o lugar do homem, o homem nunca pode tomar o lugar da mulher. Isso deve vir da época da associação das Druidesas, que os romanos tratavam de bruxas. Se eram druidesas verdadeiras, eu não sei. Essa parece ter sido uma organização religiosa separada, possivelmente sob o comando do druida líder, da mes¬ma forma que havia um sacerdote ou alguém que num encontro de bruxas era reconhecido chefe; ele era chamado "o Diabo" na época medieval. Ima¬gino que o uso do círculo das bruxas, em magia, pode ter vindo do povo druídico, ou mesmo pré-druídico, que construiu Stonehenge e Avebury, e que os usaram para concentrar os poderes gerados. É descendente direto
dos círculos usados na magia da caverna pré-histórica, embora, é claro, deva ter vindo do Oriente. Os romanos aniquilaram os druidas nas áreas que efetivamente ocuparam, mas acredito ser possível que uma divisão fe¬minina possa ter continuado mesmo aí, talvez em segredo; ou talvez elas fossem toleradas e alguns romanos e gregos que pertenciam aos diferentes mistérios, particularmente o de Mitra, encontrando tais organizações, se tornassem membros, de forma que as deusas se identificavam com sua deu-sa clássica; daí a construção da declaração.
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